Quando se trata de gestão pública, a governança colaborativa é mais que bem-vinda, ela é essencial, de acordo com o professor da Fundação Dom Cabral (FDC), doutor em Administração e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Humberto Falcão Martins. “A justificativa número um para a emergência da governança colaborativa é a ideia de termos um problema público complexo que afeta a muitos ou a todos. Qualquer tratamento de problemas públicos complexos vai requerer arranjos colaborativos”, afirma.
A FDC promoveu debate sobre a necessidade de esforços conjuntos entre governos, organizações não-governamentais e até mesmo a sociedade civil para formular, implementar e avaliar as políticas e serviços públicos nesta semana. Participaram do evento, além de Martins, a também professora da FDC e ex-secretária de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais, Renata Vilhena, e o secretário de Gestão do Ministério da Economia, Cristiano Heckert.
Foram abordadas ainda questões críticas e as perspectivas da governança colaborativa no Brasil, abordando a grande diversidade de parcerias como público-público, público-privado e privado-privado para o enfrentamento de problemas do país.
Martins também falou sobre a perspectiva da colaboração entre os atores sociais e como estes arranjos podem gerar valor nos serviços públicos, trazendo avanços significativos para a gestão pública e, sobretudo, para o povo brasileiro.
Para entender mais, a Bússola conversou com o professor.
Bússola: Qual é o princípio da governança pública colaborativa?
Humberto Falcão Martins: A colaboração é um “fazer com” deliberado e motivado pela interdependência. Duas ou mais partes, governamentais ou não, resolvem fazer algo juntas em benefício de terceiros, no caso, a sociedade. Não por força de imposição legal ou hierarquia, mas porque creem que juntas podem criar mais valor do que se atuassem separadamente. Esse “fazer com” não pode ser confundido com o “fazer para”, percebido nas relações de prestação de serviço. Colaboração não é prestação de serviço entre duas partes. A condição de parceiro implica em algum espaço de interlocução e decisão.
Humberto Falcão Martins: Todos. A governança colaborativa é a governança pública em rede por meio de parcerias bilaterais ou multilaterais. Existe o tipo público-público, intra e intergovernamental, tais como nos convênios e consórcios que exploram bem o espaço colaborativo. Temos a parceria público-privado, realizada entre governos e empresas ou um vasto conjunto de entidades do terceiro setor. Existe ainda a parceria privado-privado, entre empresas e entidades do terceiro setor entre si, organismos internacionais, etc. Mas também há parcerias que envolvem indivíduos, tanto voltadas à decisão, como orçamento participativo; quanto voltadas à ação, como programas de voluntariado. É possível ainda termos colaborações episódicas e emergentes da sociedade em rede, quando ela é capaz de se mobilizar e atuar por meio de redes sociais, por exemplo.
Bússola: Em um país tão grande e complexo quanto o Brasil, a governança colaborativa pode ser um avanço na tentativa de tornar as políticas públicas mais acessíveis?
Humberto Falcão Martins: A justificativa número um para a emergência da governança colaborativa é a ideia de termos um problema público complexo que afeta a muitos ou todos os brasileiros. Qualquer tratamento de problemas públicos complexos vai requerer arranjos colaborativos. As capacidades institucionais e não institucionais disponíveis em qualquer sociedade não darão conta de tratá-los de forma minimamente otimizada em bases desiguais, puramente hierárquicas, competitivas ou fragmentárias. A governança pública colaborativa é, nesse sentido, imprescindível. Não temos outra alternativa a não ser fazê-la funcionar da melhor forma possível.
Bússola: Como colocar essa colaboração em prática de maneira a não enfraquecer o papel do Estado brasileiro?
Humberto Falcão Martins: Governança pública colaborativa não significa desestatização. Pelo contrário, trata-se de consolidar um estado relacional, que deve ser mais forte do que o estado puramente hierárquico atuando de forma segregada com outras instâncias institucionais da sociedade. É o Estado em rede que governa com a sociedade. Por esta razão, precisa ser articulado para ser forte e torna-se ainda mais forte na medida em que se articula. Do ponto de vista da gestão interna, as parcerias e relações colaborativas que envolvem governos requerem estruturas burocráticas com alta capacidade de trabalhar em conjunto naquilo que for a sua parte — usualmente mais voltada ao direcionamento, fomento, articulação, regulação em vez de execução direta.
Bússola: Como mobilizar a iniciativa privada e a sociedade a participarem desta gestão colaborativa?
Humberto Falcão Martins: Primeiramente, há mobilizações que nascem na iniciativa privada e na sociedade no bojo de suas dinâmicas próprias, do ativismo e do empreendedorismo social que podem alcançar as estruturas governamentais de muitas formas. Também há mobilizações que surgem da iniciativa governamental.
Em todos os casos, é preciso ter muita clareza de propósito, resultados e iniciativas, a partir de percepções sobre interdependências, incertezas, oportunidades e riscos. Também é preciso promover processos de discussão, exploração e modelagem de alternativas, divulgação, identificação, aproximação e seleção de partes baseada em perfis de capacidades e princípios. O papel das lideranças em relação a todos estes atributos é absolutamente decisivo.
Bússola: Como preparar os gestores públicos para conduzirem essa rede de colaboração?
Humberto Falcão Martins: A capacidade de atuação conjunta é um requisito de funcionalidade da governança colaborativa, não apenas dos governos, mas de todas as partes. É crucial modular regras e a sua fiscalização, recortando as que se aplicam aos parceiros, dentro do limitador regramento público, além de desenvolver a liderança facilitadora dentre os envolvidos, a gestão do conhecimento, alocar recursos em bases realistas, tornar a confiança uma construção permanente e exercitar ao máximo o bom proveito de culturas organizacionais diferentes. Não é trivial, mas é possível e necessário avançar.